Rodinei Crescêncio/Rdnews
O Supremo Tribunal Federal está diante de uma decisão que pode redefinir a governança ambiental no Brasil. No contexto da ADPF 743, que trata da omissão do governo no combate ao desmatamento na Amazônia e no Pantanal, os partidos Rede Sustentabilidade e PSOL requereram que o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima seja expressamente autorizado a suspender de imediato o Cadastro Ambiental Rural (CAR) das propriedades onde for identificado desmatamento ilegal pelos satélites PRODES e DETER.
O relator do caso, ministro Flávio Dino, adotou cautela e determinou que a União se manifeste antes de qualquer decisão. O requerimento realizado pelos partidos Rede Sustentabilidade e PSOL visa impedir que propriedades desmatadas ilegalmente sigam com seus Cadastros Ambientais Rurais ativos, e, por via de consequência, traz desafios jurídicos e operacionais significativos.
Isso porque, além da discussão acerca da competência para suspender os Cadastros Ambientais Rurais, os alertas dos satélites nem sempre são precisos, e a suspensão imediata desses Cadastros Ambientais Rurais poderia ocorrer sem a devida confirmação da suposta infração, comprometendo a segurança jurídica e direitos dos proprietários rurais.
“Os alertas dos satélites nem sempre são precisos, e a suspensão imediata desses Cadastros Ambientais Rurais poderia ocorrer sem a devida confirmação da suposta infração”
O CAR é essencial para a regularização ambiental e um requisito para crédito bancário, exportação e comercialização de produtos agropecuários. Uma suspensão automática pode impedir produtores de comercializar seus produtos, afetando a economia do setor. Além disso, a proposta não tem previsão legal expressa. O artigo 72 da Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98) lista as sanções aplicáveis as infrações ambientais, e a suspensão imediata do CAR não está entre elas. Sem base normativa vigente, sua adoção será ilegal e arbitrária.
Outro problema é a confiabilidade dos alertas de desmatamento, que podem gerar falsos negativos e punir propriedades inteiras que não cometeram infração ambiental alguma. Além disso, os satélites não cruzam os dados com as licenças ambientais, o que pode resultar na suspensão de Cadastros mesmo com desmatamentos autorizados.
O CAR é um registro público eletrônico obrigatório para todos os imóveis rurais do Brasil, criado com o objetivo de monitorar, controlar e planejar o uso do solo e jamais deveria ser utilizado como um instrumento de punição direta. Os alertas de desmatamento servem para orientar fiscalizações e possíveis autuações, garantindo que os órgãos ambientais certifiquem a ocorrência das supostas infrações antes de aplicar as devidas sanções. Se o pedido realizado pelos partidos Rede Sustentabilidade e PSOL nos autos da ADPF 743 forem aceitos sem modulação, os Cadastros Ambientais Rurais de inúmeras propriedades, em muitos casos, poderão ser suspensos antes dessa checagem, invertendo a lógica atual e comprometendo o devido processo legal.
A legalidade da medida também é questionável. O artigo 70 da Lei 9.605/98 exige que qualquer sanção ambiental decorra de um processo administrativo válido, assegurando direito à defesa e ao contraditório. A suspensão automática do CAR teria os mesmos efeitos de uma sanção, mas sem previsão legal específica, tornando sua aplicação juridicamente frágil e arbitrária.
Independentemente do desfecho, a ADPF 743 já se consolidou como um marco na política ambiental brasileira. O desafio do STF é equilibrar agilidade e eficiência na fiscalização e respeito ao ordenamento jurídico, garantindo que o combate ao desmatamento seja eficaz sem criar precedentes de insegurança jurídica. O que está em jogo não é apenas o futuro do CAR, mas o próprio equilíbrio entre o respeito ao direito de propriedade, desenvolvimento sustentável e preservação ambiental no Brasil.
Ana Lacerda é advogada do escritório Advocacia Lacerda e escreve exclusivamente nesta coluna às quartas-feiras. E-mail: analacerda@advocacialacerda.com. Site: www.advocacialacerda.com